
Jerônimo Savonarola,
o João Batista da
Reforma Protestante
Florença (cidade da Itália), novembro de 1491. O grande sino da Catedral de Duomo acaba de bater meia-noite.
Após distender pela décima segunda vez a corda para produzir a última badalada, do alto da torre um homem põe-se a observar as sombras que chegam de várias direções e se reúnem no centro da praça ou sobre os degraus da catedral.
São pessoas que vêm dormir ali para, no dia seguinte, garantirem um lugar no interior da grande Duomo.
- Celebrar-se-á casamento de nobres?
Algum rei será coroado?
O Papa visitará a catedral?
- Não.
Jerônimo Savonarola vai pregar.
O homem que observa do alto da torre sabe que o quadro social e espiritual da Florença do tempo de Savonarola é quase o mesmo em toda a Itália: o luxo, a ostentação dos ricos em contraste com a miséria dos pobres, a iniqüidade dos homens, as violações dos direitos humanos, os adultérios, a idolatria, as blasfêmias e a decadência da dominante Igreja Romana, cheia de vícios e pecados.
Alicerçado no Evangelho, prega com tanto fervor e tão cheio do Espírito, que suas palavras são como espadas nuas, destramente manejadas contra o pecado, setas de fogo lançadas ao centro dos corações corrompidos.
E toda a Florença acorre para escutar, deslumbrada e temerosa, os sermões de Jerônimo, que em seus juízos corajosos e ferinos não livra nem mesmo os nomes do regente da cidade e do Papa, principais responsáveis pela devassidão do povo e da Igreja Romana.
Jerônimo Savonarola nasceu na cidade italiana de Ferrara, no ano de 1452.
Seus pais queriam que ele ocupasse o lugar de seu avô paterno, que era médico na corte do Duque de Ferrara.
Em Bolonha erguiam-se os altos muros do Convento de São Domingos.
Savonarola era humilde, obediente e sincero.
O tempo que lhe sobrava, após as várias ocupações, empregava-o na literatura, na oração e na contemplação da sublimidade do amor de Deus. Ao acordar pela manhã, elevava o seu coração em súplicas, ofertando ao Senhor as primícias do dia, e pedindo-lhe que estivesse sempre com ele.
Os superiores do convento passaram a ver naquele rapaz um futuro grande homem da Igreja. Sua inteligência e, sobretudo seu fervor religioso levaram esses homens a não medirem esforços para completar sua formação intelectual e religiosa.
O moço tinha sempre o coração cheio de fé, a alma livre das paixões humanas, e o pensamento continuamente ocupado com o amor de Deus.
O lugar onde se prostrava horas a fio em oração, ficava geralmente molhado de suas lágrimas.
Seu admirável progresso nos estudos valeu-lhe a nomeação de professor de Filosofia, função que exerceu até a data de sua transferência para o convento de Ferrara.
“Ao chegar ali, dentro dos silenciosos muros do mosteiro de sua cidade natal, entregou-se com mais assiduidade ao jejum” à oração e ao estudo da Palavra de Deus, pois desejava alcançar o que sempre fora a mais ardente aspiração de sua mocidade: tornar-se um inflamado pregador, um arauto do Céu a anunciar, face á impiedade do povo, que o dia da vingança do Senhor estava próximo.
Porém suas primeiras tentativas de pregar em Ferrara resultaram em fracasso. Não acostumado a ouvir pregações que denunciassem e reprovassem abertamente os seus pecados, o povo de Ferrara não deu a menor atenção às palavras daquele moço que se propunha a ser "o chicote do Senhor".
Jerônimo foi obrigado a dedicar-se inteiramente à instrução dos noviciados, repetindo para si mesmo as palavras de Jesus:
Porém os sete anos que passara no convento de Bolonha e as pregações que fizera ali haviam confirmado que Deus o usaria nos púlpitos das maiores catedrais da Itália, e seus ataques formidáveis contra a corrupção do povo e da Igreja Romana preparariam em toda a Europa o caminho para a futura Reforma Protestante.
Insatisfeito com a pequena repercussão que suas pregações haviam obtido entre os ouvintes que freqüentavam a igreja do convento de Ferrara, Savonarola desejou ardentemente mudar-se para a mais destacada cidade do Renascimento: Florença. Ali foi muito bem recebido pelos religiosos do Convento de São Marcos.
Os oradores discursavam preocupados em tornar a frase pomposa, rica e elegantemente floreada.
Além do mais, para se triunfar no púlpito ou na tribuna, era necessário possuir boa estatura física, além de bela aparência, e fazer uso de atitudes elegantes.
Savonarola era a antítese de tudo isto: alto, magro, nariz grande, lábios grossos, boca imensa, atitudes desgraciosas e enérgicas.
Porém estas desvantagens físicas não impediram que ele se tornasse o maior pregador de sua época.
Savonarola começou a pregar em Florença seguindo um estilo diametralmente oposto ao dos oradores da época, despertando assim a curiosidade de muitos, inicialmente para a sua maneira de usar da palavra, depois para a significação do que dizia.
Rejeitando as burilações retóricas, numa linguagem espontânea e enérgica, pregava diante de uma assistência cada vez mais admirada do seu modo direto de ir ao assunto.
No tempo em que os rijos ventos do pecado sopravam sobre as vidas conturbadas e escuras dos florentinos, sua voz fez com que a Palavra de Deus brilhasse cada vez mais clara e resplandecente, nos corações.
Oskar Von Wertheimer observou que "suas pregações produziam um efeito indescritível, acontecendo freqüentemente aos que as copiavam declararem, à margem dos manuscritos, haver-lhes o entusiasmo ou as lágrimas impedido de continuarem a escrever".
Falando, certa vez, no púlpito da Catedral de Florença, Savonarola disse que em breve morreriam o Papa Inocêncio VIII e Lourenço de Médicis, e que a Itália seria invadida por Carlos VIII, da França.
Esses vaticínios iriam ser confirmados posteriormente, aumentando o seu prestígio diante do povo.
O pregador escutou-os friamente, e em seguida mandou dizer a Lourenço que ele devia se arrepender dos seus pecados.
Lourenço concluiu que não conseguiria impressionar o monge através de ameaças, e tratou de conquistar-lhe a simpatia.
Apercebendo-se da inutilidade de seus métodos, e vendo que Savonarola continuava a atacar sua vida tortuosa e desregrada, Lourenço resolveu fazer calar o grande pregador utilizando-se de sua própria arma: a oratória.
Encarregou Frei Mariano de Gennazano, um dos maiores oradores sacros florentinos, de pronunciar alguns sermões contra o Prior do Convento de São Marcos.
Foi à grande vitória da oratória sem artifícios sobre a oratória artificiosa.
Savonarola impressionou o povo e venceu Frei Mariano fazendo uso de uma eloqüência espontânea e simples.
Tempos depois, Lourenço de Médicis mandou chamá-lo. Estava à morte. Ao vê-lo, disse o governador:
"Mandei chamá-lo por ser o senhor o único monge honrado que conheço." Na conversa que tiveram sobre salvação, discordaram em alguns pontos, e Savonarola, depois de muito insistir, retirou-se, deixando o moribundo "a sós com Deus e sua consciência".
Com a morte de Lourenço, o não menos corrupto Pedro de Médicis ocupou o seu lugar. Savonarola redobrou sua campanha em prol da regeneração dos costumes.
Sob os efeitos produzidos por suas pregações, ladrões e usuários procuravam regenerarem-se, mulheres abandonavam o luxo e muitos fugiam à devassidão, almejando viver segundo os preceitos bíblicos.
- "Se vós soubésseis as coisas repugnantes que eu sei!" - dizia ele diante da multidão que o ouvia surpresa.
E então, corajosamente, sentava a igreja dominante no banco dos réus e a julgava:
"Vem cá igreja infamada! Ouve o que te diz o Senhor. Dei-te formosas vestimentas, e tu exerceste com elas a idolatria.
Com os vasos preciosos tens alimentado o teu orgulho, tens profanado o que antes era sagrado; a sensualidade te precipitou na vergonha.
És pior que uma besta; é um monstro repugnante...
Ergueste uma casa de imoralidade e te converteste, em toda parte, numa casa de perdição. Tomaste assento no trono de Salomão e passaste a atrair o mundo às tuas portas:
“Quem tem dinheiro entra, e pode fazer tudo o que quer, mas quem não tem dinheiro, mas deseja o bem, é desconsiderado e expulso."
Esse julgamento chegou ao conhecimento do próprio papa Alexandre VI sucessor de Inocêncio VIII, e um dos maiores responsáveis pelas desordens clericais.
Já há algum tempo os sermões de Savonarola vinham incomodando o Papa, que procurou lançar mão de todos os meios possíveis para fazer o monge calar.
Travou-se então uma luta ferrenha, que culminou na excomunhão, prisão, tortura e morte de Savonarola.
Antes, sua sinceridade e guerra declarada à devassidão, desonestidade e hipocrisia já o haviam indisposto seriamente com alguns dos grandes senhores da Itália.
- Vede aí, irmãos,_eis o demônio que vem perturbar a Palavra de Delis.
A frase ecoou por todo o recinto como uma chicotada.
- Partirei esta tarde para Florença, sem outra companhia além do meu bordão de peregrino. Alojar-me-ei em Pianora. Se alguém quer ajustar contas comigo, que venha antes de minha partida. Entretanto, eu não morrerei em Bolonha, mas em outro lugar.
Ele sabia que os poderosos não o deixariam viver por muito tempo.
Mas ele sabia também que não poderia parar de pregar.
Combateria o pecado até momentos antes de ser enforcado e queimado.
E seu exemplo floresceria no solo da Europa e do mundo.
Não acreditando que seus auxiliares pudessem ajudá-lo a mudar radicalmente os costumes do povo, Savonarola apelou para a sinceridade dos meninos, que saíam pelas ruas da cidade fazendo batidas sistemáticas, surpreendendo os adultos em atitudes pecaminosas, e levando para ser queimado tudo o que conseguissem achar em matéria de enfeites, cabelos postiços, livros e quadros indecentes.
Conta-se que os meninos abordavam as senhoras nas ruas e diziam, cheios de convicção:
Savonarola encorajava os meninos a prosseguirem com a "Reforma dos costumes".
Sobre imensas fogueiras - as fogueiras da vaidade, como costumavam chamá-las -, obras de arte, jóias, espelhos, livros e toda sorte de objetos considerados pecaminosos eram amontoados e queimados.
Quando as tropas de Carlos VIII, rei da França, invadiram a Itália, mais uma de suas profecias se cumpriu.
Além do mais, as palavras chamejantes de Savonarola haviam continuamente atacado Roma e o "Sumo Pontífice", com a mesma energia que sempre combateram a devassidão da época:
- O escândalo começa por Roma e corre por todo o continente. São piores que os turcos e os mouros...
Os sacerdotes vão por dinheiro ao coro, às festividades e ao ofício; vendem as prebendas, vendem os sacramentos, negociam com as missas; em uma palavra: tudo fazem pelo dinheiro... Este veneno acumulou-se de tal maneira em Roma, que a França, a Alemanha e todo o mundo se contagiaram; e chegou a tal ponto que é necessário prevenir-se contra Roma. Entre o povo circula uma frase que diz: "Se queres perder teu filho, faze dele um sacerdote!"
O Papa resolveu tomar providências enérgicas contra Savonarola. Primeiramente dirigiu-se ao governo de Florença, e solicitou-lhe fosse enviado a Roma o monge revolucionário.
O governo florentino declarou que não lhe era possível cumprir semelhante pedido, "não só porque" - disse - "faríamos algo indigno de nossa República e injusto contra um homem que tem trazido tantos beneficiou à Pátria.
Além do mais, ainda que quiséssemos, não poderíamos fazê-lo sem que houvesse uma revolta popular com grave perigo para muitos, tal e tão grande é o prestígio que esse frade ganhou com sua integridade".
Mas o Papa estava disposto a lutar e fazer calar, de uma vez por todas, o "chicote do Senhor".
Do púlpito, Savonarola comentou o incidente:
- Chegou de Roma um breve (decisão papal), é verdade. Nele, chamam-me de filho da perdição. Aos que me acusarem diante de vós, queridos irmãos, respondei assim:
O Papa anunciou então que Jerônimo Savonarola estava excomungado da Igreja Romana, e utilizou-se em seguida de um meio que se mostraria extremamente eficaz para arrancá-lo das mãos protetoras do governo florentino: ameaçou confiscar os bens de todos os florentinos residentes em Roma, e boicotar as mercadorias destinadas a Florença.
Nas palavras do historiador Alexandre Vicunã:
Savonarola foi preso e entregue ao Papa juntamente com seus dois fiéis companheiros, frei Silvestre e frei Domingos, também excomungados. No dia em que o prenderam, esta foi a sua oração:
Paz querido! Concordo plenamente com o que vc falou! A nossa realidade é realmente triste.Temos que nos apegar mesmo somente em Deus.Já estou te seguindo! Obrigada por seu carinho! Se Deus quiser irei e voltarei em paz da minha viajem! Um abraço e ótimo fim de semana!
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